sexta-feira, 25 de março de 2011

O gosto pela velocidade.



No capítulo 10 do livro "Sobrados e Mucambos -  decadência do patriarcado rural no Brasil", lançado em 1936, o escritor Gilberto Freyre escreve que 


"O gosto pela velocidade apoderou-se de não raros brasileiros como um demônio, fazendo de alguns quase uns endemoniados. […]

O encanto dos brasileiros das cidades dos primeiros anos do século XIX – cidades ainda coloniais mas já escancaradas às novidades técnicas da Europa – era pelas máquinas capazes de extremos de velocidade ou de força; mas o ponto de referência, tanto para a força como para a velocidade das mesmas máquinas, seria ainda por muito tempo o cavalo: “[....] hum cavallo a galope”, hum cavallo a toda a brida...” Ainda durante anos as carruagens combinariam, nas ruas das cidades brasileiras e nas estradas das áreas rurais mais adiantadas do Império, a condição de máquinas com o fato de dependerem de escravos e de animais para o seu funcionamento. Como, porém, a carruagem ligeira, do tipo inglês, foi invenção que chegou ao Brasil de repente, com ela se deslumbraram muitos brasileiros como meninos com um brinquedo novo; e desse deslumbramento resultou muito abuso ou excesso. O Rio de Janeiro cedo se tornou cidade famosa pelo excesso de velocidade com que os carros novos rodavam pelas ruas, com os cavalos a galope ou mesmo a toda a brida e os trens aos solavancos, a despeito das molas que os adoçavam. Exibicionismo ou arrivismo, talvez, da parte de senhores, habituados a traquitanas ou a palanquins morosos e de repente donos de carruagens capazes de os proclamarem superiores por mais esta condição: a de rodarem velozmente por entre plebeus vagarosamente a pé. E da parte dos escravos ou dos negros elevados à situação de boleeiros e coroados de cartola, como os doutores, houve talvez o abuso da oportunidade de se encontrarem com extraordinário poder nas mãos: o poder representado pelas rédeas, pelo chicote, pela cartola, pela altura da boléia das carruagens majestosas. Quase uns tronos para esses capoeiras de um novo tipo.



 
Na hierarquia dos escravos, os boleeiros ou cocheiros passaram a ocupar um dos primeiros lugares. E dessa primazia, muitos abusaram, tornando-se insolentes para com os peões ou os pedestres. Outros, excedendo-se na velocidade. Mais de um europeu dos que estiveram no Brasil na primeira metade do século XIX, deixou registrado o seu espanto ante a velocidade extraordinária com que os carros rodavam pelas ruas do Rio de Janeiro. Um desses europeus foi Radiguet. É dele a expressão “vitesse extraordinaire” para caracterizar o excesso de velocidade dos carros, que, de repente, tornou perigosas as ruas do Rio de Janeiro."

 

 
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